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¯`*·.¸¸♥ღ°Quem é essa que me olha de tão longe, com olhos que foram meus?(Retrato antigo - Helena Kolody) ¯`*·.¸¸♥ღ° Quem é essa que me vê do lado de lá quando eu dela preciso cá? Quem é essa que está em mim e eu nela em hora sem fim? Quem é essa, quem sou eu?De tanta pressa o vento a levou...Fiquei eu Olho no olho O meu no seu Num retrato antigo Num estar comigo Num olhar só meu. (Janice Persuhn)¯`*·.¸¸♥ღ° De retralho em retalho tiram pedaços de mim de espaço a espaço costuram os vazios de mim de palavra a palavra descobrem eu sou mesmo assim. (Autópsia) ¯`*·.¸¸♥

PrOfeSsOrA WiLma NuNeS RaNgEl

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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Análise Literária sobre Urupês

O texto a seguir é considerado um Artigo ambientado, produzido pelo escritor para denunciar a situação do Jeca Tatu. Abaixo posto alguns fragmentos, da obra do ator Mazaropi, que dedicou sua arte à representar o personagem em filmes nacionais, que renderam prêmios de bilheteria e sucesso nacionalmente!





* Querido(a) aluno(a), lembre-se seu saber depende da sua LEITURA, Esse texto é considerado como gênero textual ARTIGO ambientado na Região do interior de São Paulo, tipicamente agrícola, de "roça, mato mesmo"...

Conhecê-lo, lhe trará como bagagem o conhecimento da obra de Monteiro Lobato. Ótima leitura!
Urupês



Monteiro Lobato


E saboroou-se o balsâmico indianismo de Alencar ao advento dos Rondons que, ao invés de imaginarem índios num gabinete, com reminiscências de Chateaubriand na cabeça e a Iracema aberta sobre os joelhos, metem-se a palmilhar sertões de Winchester em punho.
Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobrelevava em beleza d’alma e corpo.
Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.
Por felicidade nossa – a de D. Antonio de Mariz – não os viu Alencar; sonhou-os qual Rousseau. Do contrário lá teríamos o filho de Arará a moquear a linda menina num bom braseiro de pau brasil, em vez de acompanhá-la em adoração pelas selvas, como o Ariel benfazejo do Paquequer.
A sedução do imaginoso romancista criou forte corrente. Todo o clã plumitivo deu de forjar seu indiozinho refegado de Peri e Atala. Em sonetos, contos e novelas, hoje esquecidos, consumiram-se tabas inteiras de aimorés sanhudos, com virtudes romanas por dentro e penas de tucano por fora.
Vindo o público a bocejar de farto, já céptico ante o crescente desmantelo do ideal, cessou no mercado literário a procura de bugres homéricos, inúbias, tacapes, borés, piágas e virgens bronzeadas. Armas e heróis desandaram cabisbaixos, rumo ao porão onde se guardam os móveis fora de uso, saudoso museu de extintas pilhas elétricas que a seu tempo galvanizaram nervos. E lá acamam poeira cochichando reminiscências com a barba de D. João de Castro, com os frankisks de Herculano, com os frades de Garrett e que tais…
Não morreu, todavia.
Evoluiu.
O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismou-se de “caboclismo”. O cocar de penas de arara passou a chapéu de palha rebatido à testa; o ocara virou rancho de sapé; o tacape afilou, criou gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda troxadal o boré descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa aberta ao peito.
Mas o substrato psíquico não mudou: orgulho indomável, independência, fidalguia, coragem, virilidade heróica, todo o recheio em suma, sem faltar uma azeitona, dos Perís e Ubirajaras.
Estes setembrino rebrotar duma arte morta inda se não desbagoou de todos os frutos. Terá o seu “I Juca Pirama”, o seu “Canto do Piaga” e talvez dê ópera lírica.
Mas, completado o ciclo, virão destroçar o inverno em flor da ilusão indianista os prosaicos demolidores de ídolos – gente má e sem poesia. Irão os malvados esgaravatar o ícone com as curetas da ciência. E que feias se hão de entrever as caipirinhas cor de jambo de Fagundes Varela! E que chambões e sornas os Peris de calça, camisa e faca à cinta!
Isso, para o futuro. Hoje ainda há perigo em bulir no vespeiro: o caboclo é o “Ai Jesus!” nacional.
É de ver o orgulhoso entono com que respeitáveis figurões batem no peito exclamando com altivez: sou raça de caboclo!
Anos atrás o orgulho estava numa ascendência de tanga, inçada de penas de tucano, com dramas íntimos e flechaços de curare.
Dia virá em que os veremos, murchos de prosápia, confessar o verdadeiro avô: – um dos quatrocentos de Gedeão trazidos por Tomé de Souza¹ num barco daqueles tempos, nosso mui nobre e fecundo “Mayflower”.
Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variado matiz, formadoras da nacionalidade e metidas entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha no beiço, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz de evolução, impenetrável ao progresso. Feia e sorna, nada a põe de pé.
Quando Pedro I lança aos ecos o seu grito histórico e o país desperta estrouvinhado à crise duma mudança de dono, o caboclo ergue-se, espia e acocora-se de novo.
Pelo 13 de Maio, mal esvoaça o florido decreto da Princesa e o negro exausto larga num uf! o cabo da enxada, o caboclo olha, coça a cabeça, ‘magina e deixa que do velho mundo venha quem nele pegue de novo.
A 15 de Novembro troca-se um trono vitalício pela cadeira quadrienal. O país bestifíca-se ante o inopinado da mudança.² O caboclo não dá pela coisa.
Vem Florianol estouram as granadas de Custódiol Gumercidndo bate às portas de Roimal Incitatus derranca o país.³ O caboclo continua de cócoras, a modorrar…
Nada o esperta. Nenhuma ferrotoada o põe de pé. Social, como individualmente, em todos os atos da vida, Jéca, antes de agir, acocora-se.
Jéca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas as características da espécie.
Hei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada d’esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destrava a língua e a inteligência.
- “Não vê que…
De pé ou sentado as idéias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa.
De noite, na choça de palha, acocora-se em frente ao fogo para “aquentá-lo”, imitado da mulher e da prole.
Para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostas um cabo de foice, fazê-lo noutra posição será desastre infalível. Há de ser de cócoras.
Nos mercados, para onde leva a quitanda domingueira, é de cócoras, como um faquir do Bramaputra, que vigia os cachinhos de brejaúva ou o feixe de três palmitos.
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca fisólofo…
Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas ou artefatos de taquara-poca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilõesinhos, colheres de pau.
Nada Mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço – e nisto vai longo.
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para hospedes. Três pernas permitem equilíbrio inútil, portanto, meter a Quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão.
Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhosl um que traz no uso e outro na lavagem.
Os mantimentos apaióla nos cantos da casa.
Inventou um cipó preso à cumieira, de gancho na ponta e um disco de lata no alto, alí pendura o toucinho, a salvo dos gatos e ratos.
Da parede pende a espingarda picapau, o polvarinho de chifre, o S. Benedito defumado, o rabo de tatu e as palmas bentas de queimar durante as fortes trovoadas. Servem de gaveta os buracos da parede.
Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão Quarta perna ao banco. Para que? Vive-se bem sem isso.
Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jéca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jéca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante…
Remendo… Para que? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas ” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos.
Na mansão de Jéca a parede dos fundos bojou para fora um ventre empanzinado, ameaçando ruir; os barrotes, cortados pela umidade, oscilam na podriqueira do baldrame. Afim de neutralizar o desaprumo e prevenir suas conseqüências, ele grudou na parede uma Nossa Senhora enquadrada em moldurinha amarela – santo de mascate.
- “Por que não remenda essa parede, homem de Deus?
- “Ela não tem coragem de cair. Não vê a escora?
Não obstante, “por via das dúvidas” , quando ronca a trovoada Jéca abandona a toca e vai agachar-se no ôco dum velho embirussu do quintal – para se saborear de longe com a eficácia da escora santa.
Um pedaço de pau dispensaria o milagre! mas entre pendurar o santo e tomar da foice, subir ao morro, cortar a madeira, atorá-la, baldeá-la e especar a parede, o sacerdote da Grande lei do Menor Esforço não vacila. É coerente.
Um terreirinho descalvado rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores – nada revelador de permanência.
Há mil razões para isso; porque não é sua a terral porque se o “tocarem” não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o mato; porque a “criação” come; porque…
- “Mas, criatura, com um vedozinho por ali… A madeira está à mão, o cipó é tanto…”
Jéca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha.
- “Não paga a pena”.
Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.
Da terra só quer a mandioca, o milho e a cana. A primeira, por ser um pão já amassado pela natureza. Basta arrancar uma raiz e deitá-la nas brasas. Não impõe colheita, nem exige celeiro. O plantio se faz com um palmo de rama fincada em qualquer chão. Não pede cuidados. Não a ataca a formiga. A mandioca é sem vergonha.
Bem ponderado, a causa principal da lombeira do caboclo reside nas benemerências sem conta da mandioca. Talvez que sem ela se pusesse de pé e andasse. Mas enquanto dispuser de um pão cujo preparo se resume no plantar, colher e lançar sobre brasas, Jéca não mudará de vida. O vigor das raças humanas está na razão direta da hostilidade ambiente. Se a poder de estacas e diques o holandês extraiu de um brejo salgado a Holanda, essa jóia do esforço, é que ali nada o favorecia. Se a Inglaterra brotou das ilhas nevoentas da Caledônia, é que lá não medrava a mandioca. Medrasse, e talvez os víssemos hoje, os ingleses, tolhiços, de pé no chão, amarelentos, mariscando de peneira no Tamisa. Há bens que vêm para males. A mandioca ilustra este avesso de provérbio.
Outro precioso auxiliar da calaçaria é a cana. Dá rapadura, e para Jéca, simplificador da vida, dá garapa. Como não possui moenda, torce a pulso sobre a cuia de café um rolete, depois de bem massetados os nós; açucara assim a beberagem, fugindo aos trâmites condutores do caldo de cana à rapadura.
Todavia, est modus in rebus. E assim como ao lado do restolho cresce o bom pé de milho, contrasta com a cristianíssima simplicidade do Jéca a opulência de um seu vizinho e compadre que “está muito bem.” A terra onde mora é sua. Possui ainda uma égua, monjolo e espingarda de dois canos. Pesa nos destinos políticos do país com o seu voto e nos econômicos com o polvilho azedo de que é fabricante, tendo amealhado com ambos, voto e polvilho, para mais de quinhentos mil réis no fundo da arca.
Vive num corrupio de barganhas nas quais exercita uma astúcia nativa muito irmã da de Bertoldo. A esperteza última foi a barganha de um cavalo cego por uma égua de passo picado. Verdade é que a égua mancava das mãos, mas ainda assim valia dez mil réis mais do que o rossinante zanaga.
Esta e outras celebrizaram-lhe os engrimanços potreiros num raio de mil braças, grangeando-lhe a incondicional e babosa admiração do Jéca, para quem, fino como o compadre, “home” … nem mesmo o vigário de Itaóca!.
Aos domingos vai à vila bifurcado na magreza ventruda da Serena; leva apenso à garupa um filho e atrás o potrinho no trote, mais a mulher, com a criança nova enrolada no chale. Fecha o cortejo o indefectível Brinquinho, a resfolgar com um palmo de língua de fora.
O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de traça e todo vincado de dobras, entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar o diploma de eleitor às mãos do chefe Coisada, que lho retém para maior garantia da fidelidade partidária.
Vota. Não sabe em quam, mas vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama “sua graça”.
Se há tumulto, chuchurrea de pé firme, com heroísmo, as porretadas oposicionistas, e ao cabo segue para a casa do chefe, de galo cívico na testa e colarinho sungado para trás, afim de novamente lhe depor nas mão o “diploma”.
Grato e sorridente, o morubixaba galardoa-lhe o heroísmo, flagrantemente documentado pelo latejar do couro cabeludo, com um aperto de munheca e a promessa, para logo, duma inspetoria de quarteirão.
Representa este freguês o tipo clássico do sitiante já com um pé fora da classe. Exceção, díscolo que é, não vem ao caso. Aqui tratamos da regra e a regra é Jéca Tatu.
O mobiliário cerebral de Jéca, à parte o suculento recheio de superstições, vale o do casebre. O banquinho de três pés, as cuias, o gancho de toucinho, as gamelas, tudo se reedita dentro de seus miolos sob a forma de idéias: são as noções práticas da vida, que recebeu do pai e sem mudança transmitirá aos filhos.
O sentimento de pátria lhe é desconhecido. Não tem sequer a noção do país em que vive. Sabe que o mundo é grande, que há sempre terras para diante, que muito longe está a Corte com os graúdos e mais distante ainda a Bahia, donde vêm baianos pernósticos e cocos.
Perguntem ao Jéca quem é o presidente da República.
- “O homem que manda em nós tudo?
- “Sim.
- “Pois de certo que há de ser o imperador.
Em matéria de civismo não sobe de ponto.
- “Guerra? T’esconjuro! Meu pai viveu afundado no mato p’ra mais de cinco anos por causa da guerra grande. (4) Eu, para escapar do “reculutamento”, sou inté capaz de cortar um dedo, como o meu tio Lourenço…
Guerra, defesa nacional, ação administrativa, tudo quanto cheira a governo resume-se para o caboclo numa palavra apavorante – “reculutamento”.
Quando em princípios da Presidência Hermes andou na balha um recenseamento esquecido a Offenbach, o caboclo tremeu e entrou a casar em massa. Aquilo “havera de ser reculutamento”, e os casados, na voz corrente, escapavam à redada.
A sua medicina corre parelhas com o civismo e a mobília – em qualidade. Quantitativamente, assombra. Da noite cerebral pirilampejam-lhe apozemas, cerotos, arrobes e eletuários escapos à sagacidade cômica de Mark Twain. Compendia-os um Chernoviz não escrito, monumento de galhofa onde não há rir, lúgubre como é o epílogo. A rede na qual dois homens levam à cova as vítimas de semelhante farmacopéia é o espetáculo mais triste da roça.
Quem aplica as mezinhas é o “curador”, um Eusébio Macário de pé no chão e cérebro trancado como muita de taquaruçu. O veículo usual das drogas é sempre a pinga – meio honesto de render homenagem à deusa Cachaça, divindade que entre eles ainda não encontrou heréticos.
Doenças hajam que remédios não faltam.
Para bronquite, é um porrete cuspir o doente na boca de um peixe vivo e soltá-lo: o mal se vai com o peixe água abaixo…
Para “quebranto de ossos”, já não é tão simples a medicação. Tomam-se três contas de rosário, três galhos de alecrim, três limas de bico, três iscas de palma benta, três raminhos de arruda, três ovos de pata preta (com casca; sem casca desanda) e um saquinho de picumã! mete-se tudo numa gamela d’água e banha-se naquilo o doente, fazendo-o tragar três goles da zurrapa. É infalível.
O específico da brotoeja consiste em cozimento de beiço de pote para lavagens. Ainda há aqui um pormenor de monta; é preciso que antes do banho a mãe do doente molhe na água a ponta de sua trança. As brotoejas saram como por encanto.
Para dor de peito que “responde na cacunda”, cataplasma de “jasmim de cachorro” é um porrete.
Além desta alopatia, para a qual contribui tudo quanto de mais repugnante e inócuo existe na natureza, há a medicação simpática, baseada na influição misteriosa de objetos, palavras e atos sobre o corpo humano.
O ritual bizantino dentro de cujas maranhas os filhos do Jéca vêm ao mundo, e do qual não há fugir sob pena de gravíssimas conseqüências futuras, daria um in-fólio d’alto fôlego ao Sílvio Romero bastante operoso que se propusesse a compendiá-lo.
Num parto difícil nada tão eficaz como engolir três caroços de feijão mouro, de passo que a parturiente veste pelo avesso a camisa do marido e põe na cabeça, também pelo avesso, o seu chapéu. Falhando esta simpatia, há um derradeiro recurso: colar no ventre encruado a imagem de S. Benedito.
Nesses momentos angustiosos outra mulher não penetre no recinto sem primeiro defumar-se ao fogo, nem traga na mão caça ou peixe. A criança morreria pagã. A omissão de qualquer destes preceitos fará chover mil desgraças na cabeça do chorincas recém- nascido.
A posse de certos objetos confere dotes sobrenaturais. A invulnerabilidade às facadas ou cargas de chumbo é obtida graças à flor da samambaia.
Esta planta, conta Jéca, só floresce uma vez por ano, e só produz em cada samambaial uma flor. Isto à meia noite, no dia de S. Bartolomeu. É preciso ser muito esperto para colhe-la, porque também o diabo anda à cata. Quem consegue pegar uma, ouve logo um estouro e tonteia ao cheiro de enxofre – mas livra-se de faca e chumbo pelo resto da vida.
Todos os volumes do Larousse não bastariam para catalogar-lhes as crendices, e como não há linhas divisórias entre estas e a religião, confundem-se ambas em maranhada teia, não havendo distinguir onde pára uma e começa outra.
A idéia de Deus e dos santos torna-se jéco-cêntrica. São os santos os graúdos lá de cima, os coronéis celestes, debruçados no azul para espreitar-lhes a vidinha e intervir nela ajudando-os ou castigando-os, como os metediços deuses de Homero. Uma torcedura de pé, um estrepe, o feijão entornado, o pote que rachou, o bicho que arruinou – tudo diabruras da corte celeste, para castigo de más intenções ou atos.
Daí o fatalismo. Se tudo movem cordéis lá de cima, para que lutar, reagir? Deus quis. A maior catástrofe é recebida com esta exclamação, muito parenta do “Allah Kébir” do beduíno.
E na arte?
Nada.
A arte rústica do campônio europeu é opulenta a ponto de constituir preciosa fonte de sugestões para os artistas de escol. Em nenhum país o povo vive sem a ela recorrer para um ingênuo embelezamento da vida. Já não se fala no camponês italiano ou teutônico, filho de alfobres mimosos, propícios a todas as florações estéticas. Mas o russo, o hirsuto mujique a meio atolado em barbarie crassa. Os vestuários nacionais da Ucrânia nos quais a cor viva e o sarapantado da ornamentação indicam a ingenuidade do primitivo, os isbas da Lituânia, sua cerâmica, os bordados, os móveis, os utensílios de cozinha, tudo revela no mais rude dos campônios o sentimento da arte.
No samoieda, no pele-vermelha, no abexim, no Papua, un arabesco ingênuo costuma ornar-lhes as armas – como lhes ornam a vida canções repassadas de ritmos sugestivos.
Que nada é isso, sabido como já o homem pré-histórico, companheiro do urso das cavernas, entalhava perfis de mamutes em chifres de rena.
Egresso à regra, não denuncia o nosso caboclo o mais remoto traço de um sentimento nascido com o troglodita.
Esmerilhemos o seu casebre: que é que ali denota a existência do mais vago senso estético? Uma chumbada no cabo do relho e uns ziguezagues a canivete ou fogo pelo roliço do porretinho de guatambú. É tudo.
Às vezes surge numa família um gênio musical cuja fama esvoaça pelas redondezas. Ei-lo na viola concentra-se, tosse, cuspilha o pigarro, fere as cordase “tempera”, E fica nisso, no tempero.
Dirão: e a modinha?
A modinha, como as demais manifestações de arte popular existentes no país, é obra do mulato, em cujas veias o sangue recente do europeu, rico de atavismos estéticos, borbulha d’envolta com o sangue selvagem, alegre e são do negro.
O caboclo é soturno.
Não canta senão rezas lúgubres.
Não dança senão o cateretê aladainhado.
Não esculpe o cabo da faca, como o cabila.
Não compõe sua canção, como o felá do Egito.
No meio da natureza brasílica, tão rica de formas e cores, onde os ipês floridos derramam feitiços no ambiente e a infolhescência dos cedros, às primeiras chuvas de setembro, abre a dança dos tangarás; onde há abelhas de sol, esmeraldas vivas, cigarras, sabiás, luz, cor, perfume, vida dionisíaca em escachôo permanente, o caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas.
Só ele não fala, não canta, não ri, não ama.

Conto de Urupês de Monteiro Lobato
“Urupês”
Principal conto presente no livro, em “Urupês” Monteiro Lobato apresenta uma de suas maiores personagens: o Jeca Tatu. O título vem do apelido que essa personagem tem, “urupê” – que é uma espécie de fungo parasita. O Jeca Tatu é o representante máximo do caboclo que vive na lei do menor esforço, alimentando-se e curando-se daquilo que a natureza lhe oferece. Sem nenhum tipo de educação e alheio a tudo o que acontece pelo mundo, o Jeca Tatu representa a ignorância do homem do campo. Por fim, pode-se dizer que ele é a denúncia do descaso do governo com relação às pessoas da zona rural uma vez que, segundo Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”. 

Comentário do professor
O prof. Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba (PR), comenta que existem dois pontos em “Urupês” que merecem a atenção do candidato. O primeiro é que os contos presentes na obra têm temática regionalista e abordam os problemas das cidades da região do Vale do Paraíba, à época de Monteiro Lobato. Conforme explica o prof. Giba, esta é a primeira vez que um autor se propõe, na Literatura Brasileira, a fazer uma análise crítica da realidade do interior do Brasil. Um outro ponto a ser notado é que o conto "Os Faroleiros", que abre a obra, destoa do estilo geral de Monteiro Lobato, já que não é regionalista: ele é ambientado no litoral. 

Além disso, o prof. Giba acredita ser provável que a banca examinadora do vestibular peça questões relativas à personagem Jeca Tatu. Este é um dos personagens mais famosos da Literatura Brasileira e surge em "Urupês", mas aparece em apenas um dos textos da obra, que é o conto que dá título ao livro. Por fim, o candidato deve ficar atento também ao estilo empregado por Monteiro Lobato em seus contos, sendo que vários deles possuem tendência expressionista (exagero, grotesco) e naturalista (aspectos sórdidos do ser humano) como "Bocatorta" e "Mata-Pau", concluiu o prof. Giba.

Sobre Monteiro Lobato
José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu na cidade de Taubaté, São Paulo, em 18 de abril de 1882. Foi alfabetizado inicialmente por sua mãe, mas depois chegou a frequentar a escola e formar-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. Durante seu tempo de faculdade, Monteiro Lobato já escrevia artigos para jornais sobre assuntos diversos, já sendo muito elogiado por seus comentários irônicos e originais. Após se formar, iniciou carreira como promotor público em sua cidade natal e casou-se com Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro, com quem teria quatro filhos. 

Quando tinha 29 anos, seu avô falece e Monteiro Lobato herda a Fazenda Buquira. Em 1914, o jornal O Estado de São Paulo publica um artigo de Lobato chamado Velha Praga, que seria um dos contos publicados posteriormente no seu primeiro livro, Urupês (1918). A publicação deste artigo dá início à longa e prolífera carreira literária do escritor.

Em 1918, Monteiro Lobato compra a Revista do Brasil e logo depois funda a editora Monteiro Lobato & Cia, primeira editora do país. Em julho deste ano, o escritor publica o livro Urupês e o sucesso com que foi recebido fez com que Monteiro Lobato publicasse ainda em 1918 mais duas obras, Cidades Mortas e Ideias de Jeca Tatu. Em 1920, publica sua primeira obra infanto-juvenil, A menina do narizinho arrebitado, e mais outro grande sucesso, Negrinha. Em 1925, Monteiro Lobato declara a falência de sua editora, mas ele não deixa de se dedicar ao projeto editorial e à carreira literária.

Assim, envia uma carta defendendo a indústria editorial ao presidente Washington Luís, sendo muito bem reconhecido pelo presidente. Então, em 1927, Washington Luís nomeia Monteiro Lobato adido comercial nos Estados Unidos e o escritor muda-se para Nova Iorque. Lá ere irá ficar admirado com o poder económico e industrial do país. Ao regressar ao Brasil em 1931, Monteiro Lobato acreditava piamente na capacidade do país em produzir petróleo e iniciou uma luta que o deixaria pobre.

Tomando como inimigos o então presidente Getúlio Vargas e diversos empresários nacionais e internacionais, Monteiro Lobato publicou diversos livros e artigos em que tratava da questão do petróleo no Brasil. Por conta disso, chegou a ser preso duas vezes. Mesmo depois de conseguir a liberdade, Monteiro Lobato ainda enfrentou diversas lutas contra a ditadura e sua censura, vindo a aproximar-se dos comunistas.

Em 1943, Caio Prada Júnior funda a Editora Brasiliense e publica a obra completa de Monteiro Lobato. Pouco tempo depois, é indicado para a Academia Brasileira de Letras – onde já havia sido derrotado duas vezes antes em eleições para ocupar uma vaga –, mas recusa. Indignado com o governo de Eurico Gaspar Dutra, Monteiro Lobato escreve seu último livro, Zé Brasil (1947).

Em 1948, Monteiro Lobato sofre um primeiro espasmo vascular afetando sua motricidade. Cerca de três meses depois, em 4 de julho de 1948, sofre um segundo espasmo cerebral e falece aos 66 anos de idade na cidade de São Paulo.

Monteiro Lobato foi um dos maiores escritores brasileiros do século XX e sua obra é composta por dezenas de contos, artigos, críticas, traduções e romances. Além disso, é considerado o inventor e maior escritor de literatura infanto-juvenil do Brasil, publicando 23 abras na coleção Sítio do Picapau Amarelo e mais diversas outras avulsas. Suas principais obras para adultos são: "Urupês" (1918), "Cidades mortas" (1919) e "Negrinha" (1920).


O que é URUPÊS?






PtD: Professora Wilma
EsToU: Sentida....

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